Historial

30 anos a construir história e a criar histórias...

Já em 87/88 os jovens de Campo Benfeito participavam nos festivais que o ICA – Institute of Cultural Affairs [Instituto de Assuntos Culturais] organizava nas aldeias a norte de Castro Daire (Fôjo, Cujó e Monteiras). Enquanto nas outras aldeias os participantes tinham pouca idade, frequentando ainda a escola primária, os participantes de Campo Benfeito eram já mais crescidos, adolescentes. Em 1990, este grupo de jovens conheceu Graeme Pulleyn, voluntário no ICA, que apareceu em Campo Benfeito. Durante esse ano, conheceram-se, falaram entre si e decidiram pedir apoio ao ICA para um projeto chamado “Animar um projeto”. Neste projeto participavam cerca de 10 jovens, dos quais Graeme seria quem ia liderar e tratar das burocracias da iniciativa, sendo o elo de ligação entre o grupo e o ICA. Para além de teatro, estes jovens faziam visitas aos idosos e recolhiam informação e histórias que estes lhes contavam (tendo daí resultado o cancioneiro de Campo Benfeito, um livro com receitas da região, etc.).

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Em 91 o ritmo manteve-se, continuando com o trabalho com os idosos, trabalhando em novos espetáculos, apresentando também a segunda edição de “animar um projeto”. Decidiram então criar algo mais arrojado: “Petra”. Começaram a estruturar este projeto, que acabou por ficar todo o ano de 92 em cena, fazendo o circuito do Inatel a nível distrital. Para conseguir levar a cabo esta ideia pediram mais um apoio ao ICA, que lhes foi mais uma vez concedido. Começava-se a notar um grande crescimento e um ritmo de trabalho alucinante. Nos anos de 92/93 o trabalho foi muito intenso: o projeto “Petra” viajou até Lisboa (Inatel, Teatro Aberto) e até Inglaterra; aconteceu também uma formação baseada na técnica de Grotowsky. Para além disso, ficou também a cargo destes jovens a organização do festival do ICA e a encenação dos vários espetáculos que as outras crianças que participavam no festival apresentavam. Apresentaram também eles um espetáculo e organizaram ainda o “1º encontro cultural do Montemuro”, que viria, cinco anos mais tarde (em 1997) a dar lugar ao Festival Altitudes. A gestão do salão do Fôjo ficou também a seu cargo nesse ano, tendo sido feitas muitas obras de recuperação.

1993 foi um ano complicado para estes jovens, pelo menos enquanto grupo de trabalho: Paulo, Carlos e Graeme saíram do grupo e durante meio ano os trabalhos pararam. Durante essa fase “morta”, dois membros da companhia inglesa Pentabus Theatre (Steve Johnstone e Purvin) visitaram a aldeia e desta visita surge a ideia de uma residência artística, que acabaria por acontecer no final desse ano. Surge também a proposta do Inatel para a criação de espetáculos para as épocas de Natal e de Carnaval que o Inatel iria animar. Nessa altura já Graeme estava novamente na aldeia e ele e Eduardo eram as únicas pessoas disponíveis na altura para levar a cabo esse projeto. Ambos criaram então “Toto e Loto vão ao lixo”, baseando-se nas técnicas circenses que tinham trabalhado anteriormente. Este espetáculo foi apresentado no final de 93 e durante 94.

O contacto com os ingleses manteve-se e acabou por surgir a ideia de criar um espetáculo que fizesse uma temporada nas aldeias do distrito de Viseu e outra em Inglaterra. Ao pedirem apoio à Gulbenkian para este espetáculo, foi-lhes dito que o projeto teria que ser mais sólido, mais trabalhado e com mais participações portuguesas, uma vez que Eduardo era o único português nesse grupo. Surge então o nome de Abel Neves. O primeiro encontro para este espetáculo com toda a equipa foi na aldeia: Purvin, Steve Johnstone, Abel Neves, Eduardo, Graeme e Thérèse Collins e no final de 94 começaram os ensaios de “Lobo-Wolf” em Campo Benfeito e em Janeiro do ano seguinte partiram para Inglaterra onde durante 15 dias ensaiaram e montaram o espetáculo. A estreia aconteceu em Inglaterra, onde se mantiveram em digressão durante três semanas. Voltaram a Portugal e estiveram algum tempo sem apresentar o espetáculo. A primeira apresentação de “Lobo-Wolf” em Portugal aconteceu na Escola Secundária de Castro Daire, mas foi no FINTA, em Tondela, no ano de 95 que este espetáculo “deu o salto”: Manuel João Gomes, crítico do Jornal Público assistiu ao espetáculo e fez uma excelente crítica. Zé Rui da ACERT ajudou a programar a digressão pelo país. “Lobo-Wolf” revelou-se um verdadeiro sucesso! Decidiram então elaborar uma candidatura à Secretaria de Estado da Cultura, tendo sido apoiados para o espetáculo “El Gringo”.

E assim nasceu o Teatro do Montemuro. Eduardo e Graeme davam os primeiros passos no teatro profissional. Paulo juntou-se ao grupo logo no inicio dos trabalhos de “El Gringo”, em Fevereiro de 96. Carlos regressa “oficialmente” em 97, para o espetáculo “Pizza”, apesar de ter estado sempre ligado a todo o processo da criação da companhia, tendo também dado uma ajuda na técnica de “Lobo-Wolf”. Abel junta-se a esta “nova” equipa em 98, para o espetáculo “Enclave”. Paula chega ao Montemuro em 2000, no projeto “O Canto da Cepa”, para trabalhar na produção, juntamente com Graeme, que viria a deixar poucos anos mais tarde a companhia. Dez anos se passaram desde o primeiro apoio de uma instituição para um projeto. Cinco anos se passaram como companhia profissional de teatro, com o apoio da Secretaria de Estado da Cultura. Estava formada a equipa que em 2001 levaria a cena o primeiro espetáculo de rua e que se viria a tornar noutro grande sucesso de vendas.

“Se há coisa que não fizesse sentido em Portugal, nas décadas de 90, seria ver um grupo de atores a desbravar e povoar os penhascos frios, beirões e inóspitos de Campo Benfeito, no alto da chamada Serra do Montemuro. Menos lógico seria ainda se, no meio da trupe, se encontrassem atores, encenadores e dramaturgos portugueses e britânicos. O primeiro trabalho que o grupo deu à luz do dia era bilingue e escrito por dois dramaturgos. Uma inglesa e um português. (…) No dia em que o Teatro Regional da Serra do Montemuro chegou à Comuna, em Lisboa, tinha não só os pés para andar como outros festivais e grandes auditórios à espera daquele fenómeno novo. Daquela novidade fenomenal. “

Manuel João Gomes (Crítico de Teatro)

“… um projeto, irrepetível, a que chamamos, para simplificar, Teatro Regional da Serra do Montemuro. É que nem sempre é possível encontrar as palavras adequadas, as palavras que espelhem devidamente toda a plenitude de sentidos que queremos transmitir.

Com que palavras se explica que em Campo Benfeito sediem um dos grupos mais interessantes e de maior qualidade cultural do país? Como é possível avaliar a dimensão desse feito sem ir lá, sem ir a essa lindíssima Serra do Montemuro procurar, num daqueles cimos aplanados, uma velha capela onde, ao lado, num quartel de peregrinos e romeiros, se encena um dos muitos rostos da Utopia?
Com que palavras se agradece esta gente? Com que palavras se respeita este esforço? Com que palavras se merece esta esperança? Com que palavras, sim. Com que palavas?

E qual a palavra para tantos anos de sonho?”

Ana Pires (Delegada Regional da Cultura do Centro (Fev. 1997 – Maio de 2002)

Cinco anos após o salto para o teatro profissional, o Teatro do Montemuro já mostrava ser um grupo sólido. Entre 2000 e 2005 foram levadas a cena uma série de produções que começavam a marcar claramente o percurso desta companhia de teatro serrana.

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Em 2001 “O Canto da Cepa” apresentou-se como um projeto inovador no estilo de criação da companhia. Este espetáculo foi criado em conjunto com uma turma do 9º ano da Escola Secundária da Sé de Lamego, com as vindimas do Douro como tema. Os projetos educativos começaram então a surgir com mais frequência, sendo exemplo disso o acolhimento de escolas, que após a inauguração do Espaço Montemuro, começou a realizar-se todos os anos. Assim, durante uma semana eram recebidas escolas do distrito de Viseu, para assistirem a um espetáculo e participarem num workshop orientado pelos atores.

No Verão desse mesmo ano, Ti Maria, Ti Manel e Pepino partem n’A Grande Aventura. A história deste casal e do seu filho andou pelas ruas de Portugal durante quatro anos, sendo o espectáculo de rua que mais tempo se manteve em cena. Mesmo com um outro espectáculo de ar livre em cena, “Carrada de Bestas”, a procura de “A Grande Aventura” era tanta por parte dos programadores que a direção da companhia decidiu manter ambos em cena. Foi sem dúvida, um dos maiores sucessos de vendas do Teatro do Montemuro.

Em 2002, o Teatro do Montemuro cria pela primeira vez um projeto que não parte de uma ideia original do núcleo. É criado “Eira dos Cães”, uma adaptação “à la Montemuro” de McBeth de Shakespeare. Uma experiência a repetir em 2012, com a adaptação de “Rei Lear”.

Também em 2002 o Festival Altitudes ganha uma nova casa. Durante anos, o Festival aconteceu no Salão Paroquial do Fôjo, onde ia ganhando ritmo e forma. O público começava a manter-se fiel e cada ano que passava apareciam novas caras pelo Montemuro. O programa do festival tornava-se cada vez mais ambicioso e o que começou por ser apenas uma troca de espetáculos, intercâmbios e boa vontade, passou a um acontecimento que reunia grupos de todo o país, com um orçamento a rondar os 45 000 euros. Em 2002 foi dado o “salto”: com a inauguração do Espaço Montemuro, nova casa, novas portas se abriram no que diz respeito ao acolhimento de público.

De uma conversa informal entre Greame Pulleyn, António Barros e Fernando Cena no Espaço Montemuro, surge a ideia de tentar reunir companhias de teatro que trabalhassem fora de Lisboa e Porto. A ideia era promover um maior contacto desta rede de companhias que cobriam o país, de forma a dar sustentabilidade a um projeto de descentralização que reconhecesse que a capacidade criativa não se restringia às áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, potencializando o seu desenvolvimento. Em 2003 começavam a ser dados os primeiros passos para a formação do grupo das Companhias Descentralizadas. A primeira reunião aberta às companhias fora dos dois grandes centros aconteceu na Covilhã e estiveram presentes a Acta, Arte Pública, Cendrev, Companhia de Teatro de Almada, Companhia de Teatro de Braga (CTB), Escola da Noite, Filandorra, Teatro da Rainha, Teatro das Beiras, Teatro do Semeador, Teatro do Montemuro e Trigo Limpo teatro ACERT. No encontro que se seguiu apenas apareceram as seis que atualmente constituem este grupo: Acta, Cendrev, CTB, Escola da Noite, Teatro das Beiras e Teatro do Montemuro. Uma vez que Faro seria a capital da cultura em 2005, pensou-se que seria uma boa oportunidade de apresentar o trabalho destas companhias nessa altura, tendo aí acontecido o I Festival das Companhias Descentralizadas.

Em 2004 o Teatro do Montemuro vive uma situação particular. Graeme Pulleyn cofundador da companhia decide deixar a estrutura para avançar para outros projetos e este núcleo avalia o seu caminho, as suas estratégias e objetivos perante uma nova realidade, com menos um membro importante de suporte. É também neste ano que o TRSM prepara e apresenta uma candidatura quadrienal (2005 -2008) ao Ministério da Cultura. A aprovação desta candidatura revelaria uma sustentabilidade há muito procurada pela estrutura.

É em 2005 que o Montemuro divide pela primeira vez o elenco permanente da companhia em dois projetos: a coprodução com o Teatro Viriato “Sucata Sisters” e “A Taberna”, podendo apresentar em locais diferentes dois espetáculos simultaneamente.

É também neste ano que a coprodução do Teatro do Montemuro/Laika / CCB, “Hotel Tomilho”, foi considerado um dos cinco melhores espetáculos portugueses pelo Jornal Expresso.

O período entre 2005-2010 trouxe consigo algumas mudanças. Segundo Eduardo Correia, “ “Qaribó” marcou o início do crescimento da companhia no que toca à sua autossuficiência artística, de forma equilibrada e ponderada”. Este espetáculo para a infância foi a primeira encenação de Paulo Duarte, que viria mais tarde a encenar “Sem Sentido/Viagem dos Sentidos” e em 2011 “Remendos”. Em 2006 a Companhia apresentou “Trechos, Trovas e Trogloditas”, espetáculo que reunia trechos de espetáculos até à data apresentados, que de alguma forma marcaram a imagem da companhia. “Trechos, Trovas e Trogloditas” contou também com a participação d’As Capuchinhas e de várias jovens das aldeias de Campo Benfeito e do Rossão. Apresentado uma única vez, na abertura do Festival Altitudes desse ano, a sala foi pequena para as centenas de pessoas que se juntaram no Espaço Montemuro.

Em 2007, o Teatro do Montemuro trazia até à aldeia Peter Cann, acompanhado de um grupo de estudantes ingleses de uma escola de teatro para uma residência artística, cujo objetivo final seria a apresentação de uma performance, “Seeds ao Vento”, ao público do Montemuro. “Refugiados” era o tema abordado e foram trabalhados vários elementos através do corpo, da palavra, da música, do movimento. Essa experiência mostrou-se um desafio claramente superado: “aprendi uma forma diferente de ver o teatro e ajudou-me muito para o projeto “Sem Sentido”. Foi um impulso que me ofereceu. Descobri outras formas de representar; que não necessitamos sempre de ter uma linha narrativa permanente; que não é preciso por vezes mostrar tudo ao público (há coisas que só funcionam quando não mostram tudo); a mistura de emoções, movimento, voz, silêncio,… Tudo dentro do mesmo bolo”, diz Paulo Duarte.

Foi ainda nesse ano que Eduardo Correia escreveu pela primeira vez um texto para teatro, “Amor”, cuja encenação ficou também ao seu encargo. Eduardo voltou a aventurar-se na dramaturgia em “Sem Sentido” (projeto que marca o ano de 2009, com o regresso aos projetos educativos, em moldes muito semelhantes aos de “O Canto da Cepa”) em conjunto com Inês Barahora e a partir de textos criados pelos alunos envolvidos no projeto. Eduardo escreveu ainda “Perdido no Monte”(2010), uma criação do Teatro do Montemuro para a infância, espetáculo que marcou também o regresso das “pratas da casa” sozinhos em palco, apenas os atores permanentes da companhia, “Monólogos de uma vida (2016) e vários espetáculos criados para e com a comunidade e associações.

“Belonging” destaca-se em 2010 de forma significativa neste passado mais recente. Esta co-produção com a companhia inglesa Foursight Theatre veio reforçar a ideia que todas as barreiras podem ser ultrapassadas quando há empenho, esforço, vontade de trabalhar. “Um grande desafio em palco e fora dele. O equilíbrio conseguido entre estas duas estruturas tão diferentes fazem de “Belonging” um grande espectáculo”, afirma Abel Duarte.

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